Texto de Joanna de Ângelis (psicografado por
Divaldo Franco), disponível no livro “Encontro com a Paz e a Saúde”.
Figura: The Dream (Salvador Dali)
Herança
multimilenária insculpida no inconsciente coletivo, o machismo remonta à
tradição mosaica a respeito da Criação, quando apresenta a figura antropomórfica
do Criador, na condição de Pai instável, alimentando essa construção arquetípica,
na pessoa de Adão, de quem fora retirada uma vértebra para produzir a mulher,
mantendo-a como parte do seu corpo, tornando-a submissa em face de
pertencer-lhe desde a origem.
Concebida
a ideia da sua dependência, tornou-se objeto de uso do ser masculino, que dela
sempre se serviu para as múltiplas necessidades sociais, domésticas e
reprodutivas, sem qualquer outra consideração, quando não lhe impunha os
caprichos conflitivos da personalidade doentia.
Em
decorrência, a partir daquele momento, prolongar-se-á, nas diversas religiões
do oriente e do ocidente, a condição de inferioridade feminina, quando os seus
profetas ou criadores de cultos, todos pertencentes ao sexo masculino,
vedaram-lhe o direito a participar das celebrações, chegando mesmo ao absurdo
de declarar que ela não possuía alma,
num profundo desrespeito ao ser humano que é, tendo-se em vista que, mesmo os
animais são portadores dessa essência ou psiquismo em desenvolvimento,
transitando, nessa fase, com a denominação de alma.
Relegada
a uma posição secundária, quando não discriminada, por haver sido instrumento
do pecado, como decorrência da sua
inferioridade, passou a ser submetida a exigência cirúrgica, mediante a qual
lhe seria (e ainda o é) interdito o prazer no relacionamento sexual, tornando-a
apenas um animal reprodutor, sem qualquer direito à gratificação afetiva da
comunhão carnal.
Como
efeito, inúmeros conflitos de caráter autopunitivo, desde esse momento de
absurda decisão, tiveram origem na sensibilidade feminina, coarctando-lhe a
alegria de viver e de amar.
Obrigada
à obediência, sem qualquer direito à eleição da própria felicidade, tornou-se
objeto de troca, por pais arbitrários e impiedosos que lhe estabeleciam o
destino, considerando-se necessário oferecer-se um dote a quem a desejasse, de forma que se transformasse em
mercadoria transferida de um para outro proprietário...
Sistematicamente
anatematizada, era empurrada para o adultério, em face da irresponsabilidade do
consorte, ou para a prostituição por homens insensíveis que, depois, assumindo
atitudes puritanas, exigiam-lhe – e ainda o fazem em diferentes regiões da
Terra – a punição, em mecanismos de transferência psicológica da culpa de as
haverem arrastado ao dislate...
Mesmo
Santo Agostinho, após a sua conversão ao Cristianismo, evitava-as, por serem
objeto de pecados, não sendo poupadas por Freud, que as considerava invejosas
do homem, em razão da constituição orgânica.
A
sistemática indução à inferioridade produziu um profundo conflito na mulher,
que passou a submeter-se aos caprichos da irresponsabilidade machista,
obrigando-a a introjetar os sonhos e ambições naturais, tombando em lamentáveis
processos depressivos ou de rebeldia interior, que se convertiam em
enfermidades de diagnose difícil.
Negando-lhe
a cultura e preparando-a somente para as prendas
domésticas e os deveres do lar, não se conseguiu ao largo dos milênios
impedir-lhe a expansão da inteligência, que extravasavam em espíritos de escol,
renascidos na indumentária feminina com a missão de romper a cadeia de ignorância
e de preconceitos perversos.
Lentamente,
foram impondo pelo exemplo e pelo poder da capacidade de construir, de
administrar, de servir, o seu valor moral e humano, demonstrando que a fragilidade que lhe era atribuída,
restringia-se somente à força física, em face de sua constituição hormonal e à
finalidade superior da maternidade.
Nada
obstante, mediante exercícios próprios, também demonstraram as missionárias da modificação
de conceitos, a possibilidade de serem atingidos patamares de resistência
muscular, nada inferiores aos masculinos...
A
decantada e ilusória superioridade masculina, ocultando conflitos complexos,
descarregou na fragilidade feminina e
brutalidade e a covardia moral, para logo tombar-lhe nos braços, buscando apoio
e consolo nos desastres emocionais de que se tornavam servos.
Esparta
já houvera demonstrado no passado, a bravura e o patriotismo da mulher, durante
as guerras, quando ofereciam seus filhos para a defesa da pátria e seus longos
cabelos para que fossem tecidas cordas, e quando enfrentavam aqueles que eram
tidos como inimigos. Nos tempos modernos, o esforço de guerra lhe requisitou a contribuição
e revelou-se excelente operária em todos os níveis profissionais, saltando,
lentamente, para as posições de comando, como administradora e executiva exitosa,
portadora de grande capacidade de liderança e de orientação.
Não
obstante, no dia 8 de março de 1857, 129 tecelãs de fábricas de Nova Iorque,
exaustas pelo excesso da carga horária de trabalho – 16h diárias, que
pretendiam diminuir para 10h – porque promoveram uma passeata em forma de
protesto, os patrões recorreram à polícia que as enxotou em rude perseguição a
cavalos, fazendo-as recuar e refugiar-se em uma fábrica. Como revide à
denominada rebelião, o machismo predominante optou por bloquear as saídas do
edifício ao qual foi ateado fogo e morreram todas as rebeldes, com a anuência das autoridades governamentais que
participavam da merma torpe conduta cruel e discriminatória.
É
claro que atitudes de tal porte geraram dramas de consciência, que se
transferiram para a geração imediata, não havendo sido expurgado no período em
que o crime brutal foi cometido.
Posteriormente,
com a ascensão da Era industrial, o chefe e comandante, a fim de projetar a
imagem de poder, usava a mulher como objeto de luxo e ostentação, proibindo-lhe
o direito de pensar, que ele a si mesmo se atribuía, sendo ela, porém, a
atração que produzia inveja e demonstrava a exuberância da fortuna do consorte.
O
sensível dramaturgo Íbsen retratou muito bem o conflito machista e a sua
imprudência na peça teatral denominada Casa
de bonecas, não poupando oportunas críticas aos usuários do bordel, não menos
atormentados que as suas serventuárias, sempre às ordens das suas necessidades.
Nesse
ínterim, no dia 8 de março de 1910, a ativista alemã Clara Zelkin, na II
Conferência Internacional das Mulheres, na Dinamarca, elegeu esse como o DIA
INTERNACIONAL DA MULHER.
Demonstrando
os seus valores, porém, embora lhes fossem negados quaisquer direitos de participação
na vida pública e social, as mulheres não desistiram, e, em 1932, na América do
Norte, candidataram-se a votar e a serem votadas, abrindo uma brecha no
hediondo comportamento machista.
No
ano 2000, na Marcha Mundial das Mulheres, foram mobilizados 161 países
sensibilizados pela necessidade da libertação da mulher, porquanto, hoje, 30%
das mulheres são chefes de família, responsabilizando-se pela manutenção dos
seus lares, embora o seu salário seja em média 60% inferior àquele que os
homens recebem.
Recuando-se,
historicamente, pode-se evocar o pensamento que assinalou uma atitude,
exteriorizado pela insigne Cornélia (189 a.C. – 110 a.C.), filha de Cipião, o Velho, e esposa de Tibério Semprônio
Graco, viúva, que se tornou célebre, passando à posteridade sob a alcunha de A mãe dos Gracos – Tibério e Caio –
quando um grupo de patrícias frívolas apresentava as suas joias, exibindo
coisas, perguntaram-lhe quais seriam as suas, e ela, abraçando os filhos,
respondeu com segurança: - Eis aqui minhas únicas joias.
Mais
tarde, quando os filhos desencarnaram de maneira dolorosa, ela soube preservar
a nobreza e recebeu a notícia com resignação incomum, graças aos que os seus
coetâneos ergueram-lhe uma estátua, que foi colocada no Pórtico de Metelo, em
Roma, com uma dedicatória comovedora: A
Cornélia, Mãe dos Gracos.
Ninguém
pode obstar a marcha do progresso, impedir a luminosidade do Sol, e o machismo
começou a ceder espaço à compreensão dos direitos femininos, quando constatou
que a sociedade é formada por ambos os sexos e o futuro, sem qualquer dúvida, alicerçar-se-á,
desde hoje, na estrutura emocional, moral
cultural da mulher.
Quando
a intolerância governamental da China começou a suprimir as mulheres,
eliminando-as cruelmente ao nascerem, não teve em mente a problemática da reprodução
humana e da barbaridade cometida contra a vida, imprevidência essa que se
repete nos governos arbitrários e nos regimes absolutistas, de pensarem apenas
em termos de tempo presente, resultando, na atualidade com a sua falta para a constituição
das novas e futuras famílias.
O
pensamento em que se apoiavam as forças governamentais cruéis, de assim estarem
cuidando de controlar a natalidade, em tentativa de evitar a superpopulação que,
afinal, se tornou realidade, havendo outros métodos recomendáveis ao
planejamento familiar sem crime, deixou à margem as necessidades orgânicas do
cidadão masculino, que ora disputa com avidez a companhia feminina...
Somando-se
aos demais fatores de ansiedade que se deriva do competitivismo, da insegurança
pessoal e coletiva, das buscas pela realização social, econômica e emocional,
essa herança criminosa torna-se fator de desequilíbrio, porque o cidadão de
agora, renascido na roupagem masculina, é o mesmo que, ontem, desqualificou,
perseguiu, esmagou os sentimentos femininos, sacrificando-os ao seu talante, embora
sem dispensar a sua companhia e os seus nobres serviços.
Ainda
perdurarão no psiquismo feminino as marcas da rejeição, da punição, do
desprezo, que as novas conquistas irão eliminando, de forma que, no futuro, o
respeito recíproco aos direitos de ambos os sexos seja a tônica da conduta
psicológica e social da humanidade.
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