Texto de Joanna de Ângelis, do Livro "O Despertar do Espírito", psicografado por Divaldo Franco.
A
culpa sempre se esculpe no inconsciente como uma necessidade de punição,
através de cujo mecanismo o ego se liberta do delito.
Originada
na conceituação ancestral de pecado — herança atávica do pecado original, que
seria a desobediência de Adão e Eva, os arquétipos ancestrais do ser humano, a
respeito da Árvore da sabedoria do Bem e do Mal —tem sido, através do processo
da evolução, um agente cruel punitivo, que vem desequilibrando o seu mecanismo
psicológico.
Desse
modo, a consciência de culpa torna-se tortura lúcida ou não para o emocional,
gerando tormentos que poderiam ser evitados se outros processos houvessem sido
elaborados para facultar a reparação do erro.
Por
isso mesmo, ao invés de pecado ou culpa, surge o conceito de responsabilidade,
mediante a qual a colheita se deriva da semeadura, sem qualquer expressão
castradora do discernimento nem fatalista do sofrimento.
Não
obstante a anuência com esse contributo psicoterapêutico valioso, a culpa
lúcida, bem absorvida, transforma-se em elemento positivo no que tange ao
acontecimento malsucedido.
A
simplificação psicológica do ato infeliz, diminuindo-lhe a gravidade e não lhe
concedendo o valor que merece — nem mais nem menos do seu conteúdo legítimo — pode
conduzir à irresponsabilidade, à perda de discernimento dos significados éticos
para o comportamento, gerando insensibilidade, desculpismo, falta de esforço
para a aquisição do equilíbrio saudável.
Existe
a culpa tormentosa, aquela que se mascara e adormece no inconsciente profundo,
trabalhando transtornos de consciência, ante a consideração do ato ignominioso
não digerido. No entanto, pode-se considerá-la numa outra expressão, que seria
uma avaliação oportuna sobre o acontecimento, tornando-se necessidade
reparadora, que propele ao aloperdão, como ao autoperdão.
Essa
conscientização do gravame equipa os instrumentos morais da personalidade, no
Eu superior, para mantê-lo vigilante, precatando-o de futuras flutuações
comportamentais e deslizes ético-morais. Por outro lado, desperta a consciência
para estar atenta ante as ocorrências nos momentos infelizes, isto é, naqueles,
nos quais, o cansaço, o estresse, a saturação, o mal-estar, a irritação estejam
instalados no organismo. Esse é o momento perigoso, a hora errada para tomar
decisões, assumir responsabilidades mais graves. O seu significado terapêutico
propõe limites geradores de sensibilidade para perceber, orientar e viver a
conduta edificante.
Poderemos
encontrar esse tipo de culpa não perturbadora na primeira infância, quando
medra a faculdade de discernir nos seus primórdios, favorecendo a criança com a
noção do que deve em relação àquilo que não convém ser realizado, mais ou menos
a partir dos três anos.
Se
o indivíduo não possui interiormente, nele esculpido, um código moral para o
comportamento, vagueia entre a irresponsabilidade, as psicopatias pessoais e as
sociopatias no grupo no qual se encontra.
A
culpa terapêutica evita que o paciente se lhe agarre transformando-a em
necessidade de reparação do delito, assim derrapando em situação patológica.
Trata-se apenas de uma plena conscientização de conduta, com vistas à
vigilância emocional e racional para os futuros cometimentos.
Identificada,
surge o imperativo do autoperdão, através do qual a racionalização do ato abre
campo para o entendimento do fato menos feliz, sem punição, nem justificação
doentia, mas, simplesmente, digestão psicológica do mesmo.
Após
o autoperdão, surgem os valores da reabilitação, que facultam o enfrentamento
das consequências desencadeadas pelo ato praticado.
Necessário
seja entendido que o autoperdão, de forma alguma anula a responsabilidade do
feito perturbador. Antes faculta avaliação equilibrada da sua dimensão e dos
recursos que podem e devem ser movimentados para minimizar-lhe ou anular-lhe as
consequências.
Considerada
a ação sob a óptica da culpa saudável, não será factível de introjetá-la,
evitando que se transforme em algoz interior, que ressurgirá quando menos seja
esperado.
Ademais,
esse trabalho de identificação da culpa contribuirá para a compreensão da
própria fragilidade do ego, dos fatores que o propelem as condutas doentias,
assim como à lucidez de como pode autoamar-se e amar às demais pessoas e
expressões vivas da Natureza.
Quando
se foge a esse compromisso de avaliação do erro, estagiando-se no patamar
transitório da culpa terapêutica, o inconsciente elabora instrumentos punitivos
que estabelecem os meios cruéis para a regularização, a recomposição do quadro
alterado pelos danos que lhe foram impostos.
Assim
trabalhada, a culpa não se converte em ressentimento contra a vítima que foi
ferida, nem se traveste de necessidade de serem exteriorizadas a raiva e a
animosidade contra as demais pessoas.
Aqueles
que se não conscientizam do erro e preferem ignorá-lo, soterram-no no
inconsciente, que o devolve de maneira inamistosa, irônica, quase perversa
contra tudo e contra todos.
O
ato de perdoar não leva, necessariamente, à ideia de anuência com aquilo que
fere o estatuto legal e o código moral da vida, mas proporciona a compreensão
exata da dimensão do gravame e dos comportamentos a serem adotados para que ele
desapareça, devolvendo à vida a harmonia que foi perturbada com aquela atitude.
É
inevitável o arrependimento que a culpa proporciona, mas também faculta o
sofrimento expiatório em relação ao engano, fase inicial do processo de
reparação. Não será necessário que se prolongue por um largo período esse
fenômeno emocional, a fim de que não se transforme em masoquismo desnecessário
e perturbador, gerando autocompaixão, autopunição.
As
fronteiras entre uma culpa lúcida e aqueloutra punitiva são muito sutis, e
quando não recebem uma análise honesta, confundem-se em um tumulto entre o
desejo de ser livre e de ficar aprisionado até a extinção do mal praticado.
Tem
ela o objetivo de proporcionar o exercício da honestidade para com o Si,
evitando autojustificação, transferência de responsabilidade, indiferença
diante do acontecimento.
O
Eu superior é o fiel para delimitar as linhas de comportamento entre uma e
outra conduta, por ter um caráter universalista, que trabalha pela harmonia
geral.
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