“O Ser real é constituído de corpo, mente e espírito. Dessa forma, uma abordagem psicológica para ser verdadeiramente eficaz deve ter uma visão holística do ser, tratando de seu corpo (físico e periespirítico), de sua mente (consciente, inconsciente e subconsciente) e de seu espírito imortal que traz consigo uma bagagem de experiências anteriores à presente existência e está caminhando para a perfeição Divina.” Joanna de Ângelis

TRAIÇÃO


No livro Autodescobrimento, o Espírito Joanna de Angelis diz que “as experiências da evolução propõem a fixação dos valores legítimos - aqueles que são de duração permanente - enquanto os secundários, que são transitórios, servem apenas como recurso pedagógico para a aprendizagem.”

“Essas manifestações, que defluem das heranças perturbadoras, formam o quadro dos transtornos psicológicos e outros, que maceram o ser e o levam a estados de angústia, de inquietação, de desordem mental... Na raiz, portanto, de qualquer transtorno neurótico jaz um conflito moral.”

“O grande desafio, no processo da seleção de valores, constitui a identificação de quais comportamentos éticos e morais são os recomendáveis. Uma imensa gama de preconceitos criou uma rede de conceituações hipócritas, que confundem os códigos sociais com os morais, deixando campo para escapismos e justificativas diante de algumas atitudes, assim como geradores de consciência de culpa em outras.”

“Tal comportamento social tem gerado reflexões que concluem por condutas cínicas, nas quais, pela ausência de padrões corretos, universais, ensejam o desvario, a agressividade, o pessimismo, a anarquia...”

“Podemos, porém, estabelecer parâmetros para a identificação dos valores éticos de maneira simples e inequívoca: são eles saudáveis em todas as culturas, aceitos e recomendáveis, classificados como expressão do bem, pelos resultados positivos que propiciam. Aqueloutros, os que são reprocháveis pelos danos que ocasionam, em todo lugar têm a mesma figuração, considerados, desse modo, perniciosos, portanto, negativos.”

“A ação do bem em favor de si mesmo, do grupo social e da comunidade, tendo em vista todos os seres sencientes, constitui um princípio ético imbatível, porque fruto do amor, do respeito à lei natural vigente em toda parte. Tudo quanto se considera virtude faz parte desse valor ético e dessa moral, que trabalham o ser profundo e o estimulam ao crescimento, ao desdobramento das potencialidades adormecidas.”

“Da mesma forma, o primarismo e suas manifestações egoístas, quais a perversidade, o desamor, a traição, o ódio, o orgulho e todas as mazelas que perturbam o ser, após a sensação de prazer momentâneo que o ilude, são atitudes prejudiciais, desprezadas por todas as mentes lúcidas e laboriosas, encarregadas do processo de crescimento da Humanidade.”

“Esses paradigmas oferecem ao ser inteligente os meios para alcançar a realidade superando a ilusão, porquanto portadores das estruturas permanentes do bem-estar, da paz, da autorrealização. Nessa seleção de valores surge a questão do julgamento, a análise de qual conduta adotar durante os fenômenos da evolução humana. Em face do prazer embriagador fascina e emula ao gozo, do qual se desperta com tédio, frustração, por efeito da transitoriedade de que se faz intermediário.”

“Colocando-se a felicidade na satisfação das necessidades fisiológicas e sociais, é inevitável que o despertar seja sempre deprimente, cansativo, destituído de significação real. Por isso, jornadeiam de uma para outra satisfação as multidões em aturdimento, sempre sedentas de novas experiências, de novos gozos.”

“O despertar das emoções elevadas elege outra gama de alegrias interiores, que se expressam em júbilos profundos, compensadores, que plenificam, emulando a novas conquistas iluminativas. A vida psicológica, na busca da realidade, tem como suporte a conduta moral sem conflito, consciente da responsabilidade.”

“Seguindo um natural processo de superação dos atavismos primitivos, surgem patamares que se vão conquistando, logrando novos descortinos sempre ascensionais. Cabe ao ser humano, fadado à realidade, superar os obstáculos e superar-se, descobrindo as finalidades existenciais e raciocinando em termos de vida plena, constante, de sabor eterno, iniciar e prosseguir no autoencontro, mantendo a serenidade no curso da evolução.”

“Diante de um equívoco, de um fracasso, entesoure-se a experiência e recomece-se o tentame. A realidade profunda jaz sob a personalidade do ser em trânsito, ainda mergulhado na ilusão, a um passo, certamente, da decisão de conquistá-la e ser feliz.”

 

            Segundo a psicologia analítica, a traição é uma questão muito importante do drama humano quando envolve relacionamento. É um tema arquetípico – aparece nos mitos e nas culturas.

            Aparece na história de Adão e Eva – quando, seduzidos pela sábia serpente, experimentam a maçã, traem a Deus, a si mesmos e à proposta de vida e são expulsos do paraíso.

            Aparece na história de Cristo, primeiro quando Pedro o nega, traindo-o por três vezes. Depois Judas.

            É um tema central em nossas vidas.     

 

            Existe uma relação entre traição e confiança – um não existe sem o outro. É um par de opostos complementares. “Só me sinto traído se depositei uma expectativa na pessoa de algo que ela não corresponde.”

Há a confiança ligada à ingenuidade, onde a pessoa acredita por inconsciência. Essa confiança é insustentável. Quanto mais depositar no outro algo que é seu e esperar do outro algo que ele não pode dar, vai vivenciar a traição. Essa é uma característica do puer. Não enxergar a sombra.

  

Os filhos traem os pais quando frustram a expectativa depositada neles. Com relação à escolha profissional, por exemplo. “Os pais queriam que ele fosse médico ou advogado. Aí o adolescente resolve que quer viajar pelo mundo e estudar literatura, música. É uma traição necessária para que ele não traia a si mesmo.” Muitas vezes é uma frustração dos pais depositada nos filhos: o pai queria ser médico e não pôde, então quer que o filho seja.

     

            Muitas vezes nos sentimos traídos por Deus. Rezamos, nos comportamos bem, fazemos um pedido e Deus não nos atende – essa ideia de que se nós cumprirmos com nossas obrigações Deus vai nos retribuir – isso frustra nossa ingenuidade e nosso orgulho.

            É uma confiança que compromete o outro num lugar que o outro não falou que quer estar.

            Isso acontece na terapia também: quando o paciente idealiza muito o terapeuta, onde esse não pode ter sombra, ser humano, não pode estar cansado. Aí a pessoa acha que o terapeuta vai atender o telefone e ter espaço para acolher a qualquer hora, esquecendo que ele tem as suas questões para dar conta também.

            Vemos isso no meio espírita também: idealizam o médium, mas este é humano, comete equívocos. Aí as pessoas se decepcionam, se sentem traídos e abandonam o espiritismo. Atualmente as questões que envolvem política no Brasil tem provocado fenômenos como estes.

 

E quando o terapeuta ou o médium não corresponde a esse ideal, vem o que a gente chama na antropologia de “morte do xamã”. De “deus” ele se torna o diabo, porque não sustentou essa imagem idealizada e o paciente não conseguiu suportar esse lugar. E abandona a terapia. Fica falando mal do terapeuta porque se sente traído.

 

            O xamã ou o pajé é o representante do self. Ele encarna simbolicamente o self coletivo; é o elemento de sabedoria, aquele elemento autorregulador dos processos da tribo, o que conversa com os espíritos, o que tem a saída dos remédios e assim por diante. Então quando acontece uma epidemia causada por um homem branco que passou por ali, de gripe por exemplo, e o xamã não consegue dar conta de responder a isso ou de encontrar uma cura e os índios pensam que o mal está com o xamã. E ele tem que ser sacrificado para que junto com a morte dele o mal seja expurgado e aí temos a morte do xamã.

 

Então a pessoa que carrega essas idealizações um dia não se mostra disponível e a reação é de rompimento, afastamento. A pessoa se sente traída pelo outro, por Deus.

            Tendemos a achar que Deus vai atender a partir da expectativa do ego desesperado, e Ele não atende ao ego, atende à alma, o que é diferente. O que a alma necessita, não o que o ego está pedindo.  

            A vida nos empurra àquilo que é necessário, ainda que peçamos para não ter de enfrentar determinada situação. Acabamos por nos defrontar com aspectos emocionais nossos negligenciados.

 

            Todos passamos ou passaremos por alguma vivência de traição em nossas vidas.

            A traição libera a ânima, traz pra perto o feminino negligenciado. Essa realidade interna desconhecida, essa carência, necessidade, expectativa emocional, potencial, vem à tona. Este processo provoca o encontro com aspectos emocionais inconscientes.

 

 O outro pode ter reforçado isso. O outro também pode estar inconsciente dele mesmo. É uma inconsciência dos dois.

 

 Perigos do traído: reações que não ajudam em nada:

 

espírito de vingança (olho por olho dente por dente) – potencializa a tensão de opostos. Desconta no outro a dor que sente na tentativa de se aliviar. É uma descarga de impulso sem elaboração de conflito ou transformação. É uma reação emocional que aumenta o conflito, que é destrutivo e perverso. Quando a vingança é adiada vai se tornando intriga, dissimulação, rancor, crueldade. Vê o outro como a sombra. Todo o mal fica depositado nele. Mas a questão gerada é que tem que ser olhada e combatida, não a pessoa. A vingança não resolve, não cria consciência, não dá conta do conflito, apenas é uma descarga pulsional que alimenta mais o conflito.

 

- negação: nega o valor da outra pessoa e vê só a sombra do outro. É uma enantiodromia da idealização previa. Quanto mais idealizada é a pessoa, mais a traição vai ser violenta e passa-se a só enxergar o lado ruim dela. Vira o diabo. Nega o aspecto positivo da pessoa e tudo de bom que foi vivido juntos. A pessoa traída ficou melindrada e presa no orgulho, ressentida, não suportando o não do outro. E no fundo essa dor é por precisar do outro, o outro realmente era importante. Como não há o reconhecimento da ânima, o valor, o sentimento, aí há negação e compensação. Ex: pessoas se decepcionam e saem de uma instituição porque se sentiram traídos, desconsiderando anos de amizade e vínculo. Isso evidencia uma idealização prévia de confiança primordial, ingênua.

  

Sempre que há lamento amargo pra traição existiu um contexto de confiança primordial. De inconsciente inocência infantil em que se reprimiu a ambivalência.

 

Aspectos emocionais e julgamentos de valor não eram reconhecidos e admitidos. Nega-se o valor do outro porque estava negando o valor que tinha pra si. Tira tudo do outro. Achando que o outro não tinha. Vira as costas. O outro vira sombra.

 

Por isso que a anima só pode fazer consciência sobre si gerando problemas.

 

Na relação homem mulher: quando o homem é muito inconsciente da sua anima e da necessidade da mulher, a mulher primeiro tenta atraí-lo agradando. Quando não consegue, briga, provoca. É uma tentativa de gerar algum tipo de consciência.

 

- cinismo – o mais perigoso. Começa a criar uma psicologia de desqualificar e se defender. Trata tudo como sendo falsidade. “Sorrio mas no fundo é jogo, não confio no sorriso do outro”.  

 

- traição de si mesmo: age como o traidor. “Ele me fez eu vou fazer igual. Mas tu não concordas com este valor. Porque fazer igual?”. Ou é auto traição ou está vindo à tona quem realmente a pessoa é.

 

- distanciamento de si mesmo após a traição pra se proteger. Recusamos ser quem somos. Sofrimento sem sentido, inautêntico. Falta de coragem de enfrentar.

 

            Por isso é importante suportar a dor, fazer consciência, fazer terapia junto. Um trai, atua, mas o processo envolve os dois.

São muitas questões em jogo, nos dois lados.

Uma questão é o comportamento daquele que traiu, mas outra é a dinâmica, o processo, o que gerou a traição. O outro pode ter feito de tudo pra ser traído.

 

- paranoia - jeito de pensar pela cabeça e se afastar do afeto. Quer garantias exigências pela cabeça porque não confia no afeto, no eros. Fica preso no logos, quer garantias racionais (chegar tal hora, vestir tal coisa) não confia no afeto. Tem mais a ver com poder do que com amor.

 

Grande complexidade disso na vida de todos nós.

 

(síntese da aula do Gelson Luis Roberto sobre traição, disponível no youtube  https://www.youtube.com/watch?v=CXmFe8kVdlc )

  

 

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